Bookshelf Wealth
Uma resposta ao cansaço coletivo do efêmero e do descartável
O que estamos presenciando é uma redefinição sutil do que significa status. Em um mundo digital saturado, ter uma estante física bem composta — com livros escolhidos com intenção, objetos que carregam histórias e um espaço que convida à leitura — tornou-se símbolo de uma sofisticação que vai além do material. Porque no fim das contas, “bookshelf wealth” é menos sobre mostrar livros e mais sobre mostrar que você vive entre eles. E isso, hoje, é quase subversivo. Como você, que lê Odisseia!
Por isso, pega o café, senta na sua poltrona preferida, dá o play nessa música escolhida pela designer Es Devlin e respira fundo!
Tenho que explicar porque este tema me toca em primeira pessoa: meu amor pelos livros nasceu cedo, nas tardes silenciosas pós escola passadas na biblioteca que minha mãe cultivou em casa e que eu fiz questão de imortalizar nas fotos que fiz para as entrevistas quando lancei meu primeiro livro, o Manual de Coolhunting em 2012 (abaixo).
Nas prateleiras deste móvel antigo (que aos olhos de uma criança pareciam infinitas!), descobri que os livros não são apenas objetos — são portais, companheiros e, como aprendi depois, símbolos poderosos de uma forma especial de riqueza.
Talvez tenha sido por isso que, anos mais tarde, me apaixonei tanto por escrever quanto por ler porque as palavras se tornaram, para mim, não apenas o meio de consumir histórias, mas de criá-las — uma herança invisível que carrego comigo.
E como disse Jorge Luis Borges: 'Não tenho certeza de que existo, na verdade. Sou todos os escritores que li, todas as pessoas que conheci, tudo o que amei; todas as cidades que visitei'.
O que me enche o coração de alegria é ver essa mesma paixão florescendo em minha filha Gaia: quem diria que essa piccolina de 8 anos, que se encantou já com a Odisseia (do poeta grego Homero, que è de onde tiro o nome da curadoria) agora devora, por iniciativa própria, todas as aventuras de Jules Verne?
Vê-la construindo sua própria biblioteca, escolhendo seus próprios mundos para habitar, é uma das minhas maiores realizações.
Aqui na Itália meu contato com Umberto Eco foi decisivo para que eu permanecesse fiel a este caminho, mesmo quando o mundo começou sua migração para o digital.
E desculpe, mas preciso fazer um parênteses aqui e falar sobre isso antes de entrarmos neste sinal de tendência importante: há algo de profundamente íntimo em pensar sobre Umberto Eco e suas estantes…
Você sabia que, durante a construção de seu apartamento, ele pediu que reforçassem a estrutura portante dos cômodos destinados a abrigar seus volumes pois tinha 30 mil livros para repousar naquele santuário?
Naquele espaço sagrado, duas escrivaninhas negras e sóbrias completavam o ambiente: uma para ele, outra para sua assistente-secretária. Foi neste mesmo lugar, entre os volumes que moldaram seu pensamento e que ele moldou com seu pensamento, que Eco, por desejo da família, recebeu o último adeus dos amigos em 16 de fevereiro de 2016.
Que poesia há em partir cercado pelo que se amou em vida — morrer na própria biblioteca. Que testamento silencioso: viver e morrer entre palavras.
Quando soube disso entendi que meu contato com ele havia sido decisivo para continuar nesta estrada literária, mesmo quando o mundo começava sua migração para o digital. Nunca acreditei que precisaria seguir a mesma rota das telas luminosas — sou fiel às minhas paixões, e isso me recompensa muito pessoalmente.
Em tempos de influencers e vídeos virais, você entende do que estou falando: há certas escolhas que fazemos não pelo aplauso do mundo, mas pela paz que trazem à alma.
Por causa desta paixão, em 2015, fiz uma viagem especial visitando as 5 bibliotecas mais lindas da Europa. O que ficou e que eu te aconselho? Sem dúvida a Biblioteca Klementinum em Praga e a Biblioteca Nazionale Braidense em Milão (Biblioteca di Brera) me conquistaram completamente. Não posso deixar de mencionar a Livraria Lello no Porto, Portugal — não apenas uma livraria, mas um templo à palavra impressa.
Hoje, cultivo duas bibliotecas próprias: a de pesquisa no estúdio, onde cada volume é um sussurro de possibilidades criativas, e a de bem-estar e yoga para o espaço Iogaia, onde as palavras também se fazem corpo, respiração, presença.
Além de leitora, sou também colecionadora apaixonada — minha coleção abriga pérolas como volumes raros de yoga, primeiras edições da Alessi e o mítico "Book Lover" de Karl Lagerfeld - aquele que vem com o perfume dentro ;)
Para mim cada volume não é um objeto, mas um tesouro com história própria.
Por isso è fascinante observar como essa relação com os livros ganhou um nome e virou tendência: "bookshelf wealth".
As estantes se tornaram o novo símbolo de status de nossa época e o fenômeno vai além da decoração e como aponta Bethany Adams, designer de interiores citada na Elle Decor, existe uma conexão entre o "luxo silencioso" e essa riqueza literária visível. A mesma gênese que está presente no artigo “Do You Have ‘Bookshelf Wealth’? A TikTok home-décor trend has irked some bibliophiles” que saiu no New York Tymes ano passado - e aliás foi ele que interceptou isso por primeiro.
Mas tem um porém: para ter uma autêntica "bookshelf wealth", é necessário ter sido um leitor e colecionador ao longo da vida — ou ter a sorte de gostar de fazer isso, como é o meu caso.
E voilà, grandes marcas como Miu Miu já captaram essa mudança cultural…
Clube do livro? Temos o Miu Miu Literary Club de 2025, focado em "A Woman's Education", explora temas como amadurecimento feminino e educação sexual através das obras de Simone de Beauvoir e Fumiko Enchi.
Até mesmo o Fuorisalone em Milão este ano apresenta a "Library of Light", uma escultura monumental de Es Devlin que transforma o conceito de biblioteca em uma experiência imersiva onde a luz se torna metáfora do conhecimento.
"Os livros são a bússola da mente, indicam inúmeros mundos ainda por explorar."
Esta citação de Umberto Eco (olha ele aqui de novo!) inspirou a Library of Light, instalação confiada pelo Salone à artista e designer britânica Es Devlin para um dos espaços mais simbólicos e evocativos de Milão: a Pinacoteca di Brera, um tesouro de arte, história e pensamento.
"Sempre experimentei bibliotecas como lugares silenciosamente intensos e vibrantes onde mentes e imaginações se elevam, seguras como pipas por seus corpos sentados. Esta escultura cinética reflete as conexões sinápticas sendo forjadas, as ressonâncias e associações em jogo nas mentes de uma comunidade temporária de leitores. - Es Devlin
O que estamos presenciando? Uma redefinição sutil do que significa status.
Em um mundo digital saturado, ter uma estante física bem composta — com livros escolhidos com intenção, objetos que carregam histórias e um espaço que convida à leitura — tornou-se símbolo de uma sofisticação que vai além do material.
Mais do que status, o que está em jogo aqui é a ideia de capital cultural como experiência vivida, não performada.
A estante vira um palco — não de ostentação, mas de pertencimento a um universo que valoriza o conhecimento, o tempo da leitura e os pequenos objetos que contam histórias.
Você, que me lê, è esta pessoa!
E isso, no fundo, responde a um cansaço coletivo do efêmero e do descartável.
A proposta vai além do decorativo. Ela envolve:
Curadoria personalizada de livros (preferencialmente físicos, belos e significativos);
Estantes sob medida, que dialogam com a arquitetura da casa e o estilo de vida de quem mora ali;
Objetos afetivos ou simbólicos que trazem camadas de identidade (como arte, relíquias e lembranças);
Iluminação e mobiliário que acolhem — não apenas para decorar, mas para sentar, ler, estar.
No fundo, "bookshelf wealth" é um manifesto silencioso: o verdadeiro luxo hoje está em ter tempo, espaço e algo a dizer.
É transformar a casa em um lugar de profundidade e presença.
É mostrar não apenas que você tem livros, mas que você vive entre eles — algo que, para aqueles de nós que cresceram em bibliotecas domésticas, sempre foi natural.
Como herdeira de uma biblioteca materna, mãe de uma jovem leitora e criadora de meus próprios mundos através das palavras, vejo nessa tendência não apenas uma moda passageira, mas o reconhecimento de algo que sempre soubemos: os livros são a verdadeira riqueza que podemos passar adiante.
E talvez, quando chegar minha hora, também seja entre eles que eu deseje me despedir. Porque não?
Ti abbraccio, Fah